segunda-feira, 15 de novembro de 2010

EUGÉNIO TAVARES - UM "QUASE" DESCONHECIDO!



Eugénio Tavares

Eugénio de Paula Tavares nasceu na Ilha Brava, Cabo Verde, a 18 de Outubro de 1867, filho de Eugénia Roiz Nozolini Tavares e de Francisco de Paula Tavares. (...) A infeliz mãe não sobreviveu às complicações do parto morrendo de febre púbica.

Texto original da Certidão de Baptismo de Eugénio Tavares:

"Aos cinco dias do mês de Novembro de 1867, nesta Igreja Matriz de São João Baptista nesta Ilha Brava, baptizei solenemente e pus os santos óleos a EUGÉNIO, filho legítimo de Francisco de Paula Tavares e de Eugénia Rois Tavares, já falecida e que nasceu a dezoito do mês transacto pela uma hora da manhã. Foram padrinhos Benjamim José da Vera Cruz e Dª. Maria Medina da Vera Cruz, seu pai, natural do reino de Portugal e sua mãe da Ilha do Fogo e para constar fiz este termo que assino. Era ut supra.
O Cónego Vigário Guilherme de Magalhães Menezes ."


A igreja onde foi baptizado

A formação cultural do poeta foi influenciada por grandes vultos da cultura caboverdeana da altura, nomeadamente Guilherme Dantas, Augusto Barreto e Maria Luísa de Sena Barcelos.

Ainda muito cedo, por volta dos 12 anos de idade, Eugénio inicia-se na poesia. Os seus poemas corriam de casa em casa, de mão em mão, ganhando graça e notoriedade na Ilha Brava, num meio onde a poesia era muito cultivada. Entretanto aprendera a tocar a guitarra portuguesa e diz-se que apareceram nessa altura as primeiras composições musicais.
Aos 15 anos de idade, pelas mãos de Luis Medina e Vasconcelos, o primeiro poema é publicado no "Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro". O seu talento foi enaltecido e ficou a ideia que ele devia de deixar a Brava para um meio que lhe permitisse outros voos.
O êxito obtido com a publicação do primeiro poema, aconselhava a saída da Brava, para uma melhor formação e Eugénio emprega-se em São Vicente, numa casa comercial, representante dos interesses consulares dos Estados Unidos da América.
Decorrido cerca de dois anos, quis mudar-se para Santiago e conhecer esse Cabo Verde profundo e vernáculo. Com influências de seu pai em 1888 pede para ser colocado como Recebedor da Fazenda Pública no Concelho de Tarrafal. Segundo os seus biógrafos, essa escolha começa a definir o destino de um homem invulgar já enamorado pelo seu povo e interessado em conhecê-lo e até defendê-lo.
Santiago, um caldeirão de cultura e tradições, manteve-se até hoje a Ilha mais Africana e Eugénio quis viver essa realidade indispensavel á sua formação.

Uma rua na cidade da Praia, Ilha de Santiago

Em 1887 Eugénio tem 22 anos; deixa Tarrafal, mas leva o povo de Santiago no coração. Vai preocupado com o seu abandono e marginalização. Não esquece as injustiças e cedo, na imprensa local, se lança numa luta sem tréguas pelos direitos e pela felicidade dos mais desprotegidos.
Até à sua morte o Poder não teve descanso e o Povo teve um amigo em sua defesa.
Surgem os serões de mornas, poesias e manidjas, seguidas de serenatas à moda de Coimbra. Faz-se teatro na Brava e ensina-se a cantar e a tocar.
Era preciso apear o Delfim de Cabo Verde do seu pedestal de fama e glória. Inventa-se um desfalque, na Fazenda Pública, para perseguir o poeta.
Eugénio não se desarma, e abre-se um conflito que num doloroso calvário incluiria o exílio, a prisão e uma absolvição depois de vinte anos bem penosos.
Fugiu para a América!

"No dia seguinte, findo o serviço médico, (...) o navio atracou e o B. A. Brayton, despejou os seus passageiros no meio de uma grande barafunda de caboverdianos que vinham ver a chegada dos patrícios "greens". Como um enxame de abelhas, os nosso compatriotas zumbiam pelo cais e formigavam uma ladaínha de comprimentos, abraços, exclamações, risadas, choros. Eis-nos na América, ao tempo que eu na minha proverbial simplicidade, lhe ia perguntar se, por um erro de navegação, tinhamos chegado ao inferno."
Eugénio Tavares, 11 de Julho de 1900


O navio B. A. Brayton. atracado num cais de New Bedford 

Chegado ao país da liberdade, o poeta afigura-se logo preparado para os grandes vôos no campo do jornalismo. Funda o Jornal Alvorada e estende a colaboração com jornais em outros países, como o Brasil.
Implantada a República em Portugal, a 5 de Outubro de 1910, Eugénio regressa definitivamente a Cabo Verde, após diversos regressos clandestinos, apelidados pelo próprio poeta de "tristes regressos". Caucionado pela fiança dos bens de seu pai, Dr. José da Vera Cruz, e de alguns comerciantes locais, feito republicano convicto, o poeta regressa para festejar a República perante os olhares de admiração e de carinho do povo de Cabo Verde.
Julgado e absolvido, Eugénio regressa à Ilha Brava definitivamente em 1922. Vive no meio do seu povo e no aconchego da família. Escreve para ganhar a vida, exerce o professorado, cultiva as flores do seu jardim. Mas é sobretudo na composição da Morna que o Poeta mais se ocupa. Segundo Pedro Cardoso ninguém viveu tanto a Brava como ele.

O Poeta está preocupado com a juventude e a falta de escolas. Com Hermano de Pina e um grupo de amigos funda a Escola Governador Guedes Vaz e cria uma aula de ginástica com muitos aderentes.
Ao mesmo tempo, funda a Troupe Musical Bravense, com cerca de trinta elementos, músicos esses que sem uma pauta convencional registariam de ouvido as melodias que chegaram aos nossos dias. Ficava assim garantida a difusão das mornas através dos tempos. Eles levariam aos quatro cantos do mundo as melodias que de outra forma se iriam perder. Cada instrumento era considerado sagrado e tinha o nome de um santo, como se pode verificar pela fotografia. Os instrumentos eram baptizados em dia de grande festa e era atribuída uma madrinha a cada um. Trinta jovens músicos, trinta madrinhas. o maestro era Eugénio e a sala a Ilha das Mornas e das Flores.



A Troupe Musical Bravanese

Em 1927 o Governador Guedes Vaz vai à Brava numa visita de cortesia e de desagravo a Eugénio Tavares. O Governo achou chegada a hora de apresentar ao Poeta um desagravo da Província, por tanto sofrimento causado em períodos de governação anteriores.

Vinha convidá-lo a viajar até à Ilha de São Vicente, para um encontro de Poetas e uma homenagem nacional a Eugénio, José Lopes, Pedro Monteiro Cardoso e Januário Leite.
Na última década da sua vida, após a morte de seu pai adoptivo, Eugénio herdou a propriedade de Aguada e vai ali passar grande parte dos seus dias.
Eugénio tem agora sessenta e dois anos de idade. Está precocemente envelhecido. Porém a sua alma continua jovem e apaixonada. Entretanto continua a compôr e a viver da escrita com grande intensidade. Cada vez se dedica mais à sua propriedade de Aguada, então já herdada de seu pai e chega a cultivar o isolamento. Nem sempre está na Vila Nova Sintra ou no Jardim Eugénio Tavares cultivando as suas flores. Data dessa altura a génese de duas das suas melhores composições, as mornas "Bidjiça" e "Nha Santana".
Decorria o dia 1 Junho de 1930 e pelas onze horas da manhã Eugenio Tavares sentado a uma cadeira de baloiço na sua casa da Vila Nova Sintra recebia a visita do seu amigo Pedro Castro e seu sobrinho José Medina e Vasconcelos. Os amigos vinham a um habitual cavaqueio narrar ao poeta um facto insólito e ridículo que decorria ao nível da governação da Colónia. Ouvida a história com muito interesse, os três remataram a conversa com uma estrondosa gargalhada, quando Eugénio Tavares deixou-se inclinar, fulminado por uma angina de peito.
Morria assim, subitamente, aquele que em vida sempre se riu das fraquezas e do ridículo que ensombra tantas vezes certas áreas do Poder. Toda a população se sentiu envolvida num grito de morte e de luto. Houve quem dissesse que a Brava iria acabar como o seu poeta. As ruas de Nova Sintra vestiram-se de flores para passar o cortejo fúnebre que ao som de mornas dolentes levou o seu ente querido a sepultar no cemitério do Lem. Cabo Verde inteiro vestiu-se de luto.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A UM MISERÁVEL

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Talvez este seja só um desabafo...
Mas eu sinto que é muito mais do que isso.
É um grito que me sai da alma - um tormento
Por saber que és um falhado em humanidade!
...
É a tristeza de te ver quase partir
Sem nada teres aprendido nesta vida.
De que te valeu, enfim, viver o que viveste
Se tens a tua existência comprometida
Com gestos que fizeste tão ruins...
Com palavras que disseste tão sacanas...
Com sentimentos de ódio tão brutais
que alimentaste?
...
De que te valem as tuas doutas palavras
Se o tempo as revelou tão mentirosas?
E a tua mente perversa
arquitetando planos diabólicos?
...
Só sei que nutro por ti imensa pena
Por te conhecer tão infame e insensato
Por teres passado pela vida com cinismo
Por teres uma moeda em lugar do coração.
E um dia
Quando o vento te levar
Levará com ele raiva e ilusão
Preso ao cadáver do teu corpo inerte...
...
E lágrimas...
Lágrimas...
Lágrimas...
Por teres passado pela vida sem viver!